O livro X da República de Platão versa sobre a mímese, sobre sua utilidade, se ela é benéfica ou não para as pessoas dentro da República ideal. Nos dez livro da República, Platão descreve o diálogo no qual Sócrates pesquisa a natureza da justiça e da injustiça, para isso, transfere a análise do individual para o coletivo, procurando a justiça, imaginado a constituição de uma cidade ideal. Alguns teóricos indicam que o Livro X seria um apêndice ou um epílogo, e por tanto desnecessário, visto que a poesia tinha sido tratada nos livros II e III, e que o Livro IX teria encerrado, com clareza, sobre todos itens da formatação da República ideal de forma completa. Porém Platão retoma o tema no Livro X, onde critica veemente a poesia. Coloca em duvida sua utilidade e credibilidade, para o modelo de uma cidade ideal. Mesmo neste contexto o Livro X da República trata de forma sistemática a poesia e é fonte de estudos e análise pela importância que tem no contexto histórico da filosofia e da arte.
No livro III Platão trata da poesia afim de que ela seja regulada em toda sua forma, que ela imite apenas os homens de bem, que serviria a uma boa educação, quando regulamentada suas formas de imitação. Já no livro X Platão nega todas as formas de imitação ou mímese. Deixa de ter uma aceitação da poesia imitativa de forma parcial para nega-la, agora, completamente. No entanto o conceito de mímese a ser aplicado à produção dos poetas é sempre retirado da comparação com a atividade do pintor, que imita visualmente coisas particulares.
Portanto, Platão mostra no Livro X uma visão negativa da poesia, para ele a poesia é uma imitação ( mímese) negativa da natureza.
…..A de não aceitar a parte da poesia de caráter mimético. A necessidade de a recusar em absoluto é agora, segundo me parece, ainda mais claramente evidente, desde que definimos em separado cada uma das partes da alma [...] porquanto não ireis contá-los aos poetas trágicos e a todos os outros que praticam a mímese, todas as obras dessa espécie se me afiguram ser a destruição da inteligência dos ouvintes. ( PLATÃO, Livro X da Republica, Pg 293)
Podemos dizer que Platão procura definir o que é mimese de forma a torna-la excludente. Questionando a forma com que os poetas imitam, tenta colocar a mimese num campo de inferioridade, numa situação que a torne desnecessária dentro do modelo de Justiça e virtude da República ideal. Assim ele classifica a mimese praticada pelos poeta e a identifica a três dimensões distante da realidade. O que quer dizer que o poeta em sua poesia imita uma realidade distante da verdade existencial e portanto não condiz com a realidade e a virtude da natureza do ideal ou do particular, da construção representativa. Pois segundo ele a primeira realidade seria a plano ideal , a segunda o plano da construção ou representação do plano ideal, como os artesões, carpinteiros a exemplo, e em terceiro plano estaria o pintou ou o poeta imitando a aparência e não o Ser mesmo de forma que a mímese dos pintores e dos poetas não têm existência real.
…..E os que viveram no tempo de Homero, se realmente ele era capaz de ajudar os homens a serem virtuosos, e de Hesíodo, haviam de os deixar andar de um lado para o outro a recitar, e não se apegariam mais a ele do que ao dinheiro, e não os forçariam a ficar com eles no seus lares, ou, se não os convencessem, quer que fossem, até que se saciassem do aprendizado? ( PLATÃO, livro X da república, pag. 299)
Apresenta se assim que dentro do modelo de República ideal seriam os poetas incapazes de educar, incapazes de ajudar os homens a serem virtuosos, pois sua arte está longe de ter um existência real, visto que esta se situa a três dimensões da verdade. Para Platão as tragédias e comédias imitam situações em quem os homens experimentam sentimentos ruíns, vícios, desejos, fraquezas, suscitando paixões exacerbadas, que os coloca em situações de inferioridade, como nas comédias, e ao imitarem os homens em semelhante situação, estes, não seriam homens bons e virtuosos. Fato que torna a mímese e os poetas pessoas não qualificadas para a educação dos jovens.
… é a grande sedução natural que estas têm, por si sós. Pois julgo que saber como parecem as obras dos poetas, desnudadas do colorido musical, e ditas só por si. “( Platão, livro X , pg. 299).
Os poetas são imitadores da imagem das coisa. No entanto estão distantes da verdade dos assuntos sobre os quais versam. Discorrendo sobre vários temas através de suas poesia, somente imitam, é apenas a imagem das coisas, não são conhecedores, de fato, de nenhum assuntos em particular,
…parecem falar muito bem, quando dissertam sobres a artes de fazer sapatos, ou sobre a arte da estratégia, ou sobre qualquer outra com metro, ritmo e harmonia.”.. ( Platão, Livro X , pag. 299).
Para Platão os poetas imitadores não entendem da realidade, mas da aparência desta. Não são como os Ferreiros, Carpinteiros e os Artesões, que representam de forma particular, as formas ideais, que são úteis. Os poetas narram acontecimentos, segundo Platão, estes se dividem, em três formas a Narrativa que tem discurso indireto, a Imitativa – que tem discurso direto, e a forma mista de narrar Narrativa/imitativa. Para ele a mista e de certa forma aceita. Porém devem narrar acontecimentos que enalteçam os homens, como hinos que contém as virtudes dos homens de bem.
Já para Aristóteles as formas de mímeses são vista com bons olhos. No Livro A Poética o autor diz que os animais aprendem através da imitação. Todo o aprendizados é apreendido pela imitação. Aristóteles não vê a mimese de forma negativa. Aristóteles diz que a poesia (arte) é imitação e a classifica conforme três aspectos: Meios da imitação, Objetos da imitação, Modo da imitação. Os meios seriam: cores, formas, ritmo/harmonia, linguagem. E estas podem ser isoladas ou combinadas umas com as outras. A exemplificar: a música imita através da melodia, ritmo; a Dança imita o caráter da ação e da emoção utilizando para isto o ritmo. A pintura imita pelas cores. Quanto aos objetos imitado todos que os homens conseguirem criar ou os já existentes na natureza. Quanto ao modo podem ser: a narrativa como a Epopéia ou dramática como a Comédia e a Tragédia. Pela tragédia e a comédia imita ações de homens melhores e piores ou iguais, e para tanto pode utilizar de todos os meios acima citados.
Aristóteles não tinha um visão idealista de mundo como Platão, por isto para ele a mímese ( a imitação) não era ruím, ao contrario era boa, pois incitava o aprendizado, possibilitava o conhecimento. Diferente de Platão que considerava que a tragédia provocava o terror, o que seria ruím pois incutia nos homens o medo, Aristóteles achava que a mímese trágica purgava, purificava o expectador ou leitor, provocava a Catarse, o que seria bom.
A tragédia é a imitação de uma ação séria, completa e de certa magnitude; em linguagem ornada com cada tipo de ornamento artístico, os diversos tipos são encontrados em partes separadas da peça. Quanto à forma, ela é ação, não narrativa. Por meio da piedade e do terror ela efetua a catarse dessas emoções. Por linguagem ornada quero dizer linguagem em que entra ritmo, harmonia e canto. ( ARISTÓTELES, A Poética de Aristóteles, apud Kenneth McLeish, 2000, Pag. 12)
Segundo McLeish em seu livro Aristóteles – A Poética de Aristóteles – o Conceito de Mímese é o cerne da análise da estética de Aristóteles, não simplesmente do Drama” (…) “Aristóteles deixa claro que para ele mímese é imitação” (…) “A mímese requer semelhança, com diferença suficiente para prender o espectador, leva-lo a participar da experiência que é a invenção da obra de arte”.
Para finalizar, penso que os conceitos de mímese são nucleares na filosofia de Platão, na poética de Aristóteles, referindo-se à criação da obra de arte e a forma como imita objetos pré-existentes. A mímese aplica-se a artes tão autónomas e ao mesmo tempo tão próximas entre si como a poesia, a música, pintura e a dança, onde o artista se destaca pela forma como consegue imitar a realidade. A mímese pode indiciar a imitação do movimento dos animais ou o seu som, a imitação retórica de uma personagem conhecida, a imitação do simbolismo de um ícone ou a imitação de um ato musical, ou no teatro de marionete, a mímese do homem, o homem que imita e recria o homem, que tenta dar vida a um ser inanimado.
A imitação é sobretudo produção de imagens e resultado da inspiração e entusiasmo do artista, de sua habilidade de compreensão do mundo a sua volta, da natureza das coisas aparentemente existentes. Ou como para Aristóteles, na Poética, para quem, o poeta não é só um imitador do real por excelência, mas seu intérprete,( seu recriador ).
Junior Oliveira