Da Natureza do Drama.

                       José de Oliveira Júnior.

 

            Teoria do Drama Moderno [1880 – 1950] de Peter Szondi – Tradução Raquel Imanishi Rodrigues. Editora Cosac Naify – 2º Edição 2011. 176 páginas.

       

Esperando Godot, – Samuel Becket.

      O livro Teoria do Drama Moderno, de autoria de Peter Szondi, traça um panorama do drama, que segundo ele, inicia-se no período Renascentista e vai até os anos de 1950. Szondi tenta localizar o que é natural ao drama e a sua estrutura num sentido formal e conceitual. Para tanto, ele faz uma análise forte e radical deste gênero literário.  Szondi traça uma linha de tempo que se inicia em 1880 e encera-se em 1950, período em que ele considera o surgimento do drama moderno, ou, a crise do drama do moderno. Ele não considerava moderna a dramaturgia que encenava temas de crise burguesa, como lutas de classes, entre outras. Mas a que se encerrava em  problemas  de ordem ”dramático /formais / conceituais”  da própria dramaturgia, autores que questionavam e queriam novos formatos em  detrimento aos anteriores, que identificavam ou criavam   crises dramáticas e/ou buscavam  no drama um sentido ou valor histórico. Como afirma  Carvalho,   moderna foi a dramaturgia que realizou a crítica das formas anteriores, numa busca de superação histórica, para usar o a nome certo, moderna foi a dramaturgia que se voltou para a pesquisa interna.

         No período Renascentista o modelo dramático impunha ao teatro diálogos com tensão emocional, personagens individualizadas, particularidades morais, aboliram apartes, ações e suas intenções como monólogos; coros e tudo o que fosse contra o caráter absoluto da cena. O drama é refém de um “simbolismo” que atendia a uma articulação que era conflitante: a ordem e dever aristocrático e os interesses burgueses.  Chamado de gênero sério, depois de “drama”, pôs no fundo da cena as nobres virtudes para dar lugar a vontades de outros interesses, que eram os problemas da nova ordem, os problemas dos homens comuns.

          Szondi, diz que o “drama da época moderna nasceu no Renascimento, como audácia espiritual do homem que dava conta de si, mesmo com o esfacelamento da imagem do homem da época medieval. Assim tens que, o drama se dá a partir de uma relação entre as partes agentes, uma relação ‘entre homens’”. Relações ambivalentes do estar entre, envolvido no tempo e lugar, de modo que suas ações interajam e criem conflito; vontade e decisão, querer e deixar, ir ou permanecer. Nesta vontade de interagir dá-se a realidade dramática, e esta realidade é criada por uma tomada de decisão, assim como Szondi nos diz, “Toda gama temática do drama se desenvolve nessa esfera do – ‘entre’. A luta entre passion e devoir”. Deste modo, o dialogo, o meio, as relações são onde se desenvolve a teia dramática, a expressão do mundo inter-humano, e nestas relações humanas do drama dito moderno exclui o herói, a personagem épica.

           Sarrazac diz que o drama como um acontecimento no presente reata com a definição aristotélica da Mimese trágica como representação não pela narração, mas pela ação (drama). Mas é no Renascimento, e, sobretudo na França do Século XVII, cuja estética é prolongada pelo Classicismo alemão, que esse absoluto dramático encontra sua atualização mais perfeita. O modo de representação faz dele um gênero primário. O que significa que o drama exclui a mediação de um sujeito épico. De maneira, mas sutil, o conceito de drama absoluto pode apontar para certa hibridização do épico e do dramático, do individual e do coletivo, que as estéticas do século XX não cessaram de reinventar.

         Deste modo, Identificamos que o fato que distingue o drama das tragédias clássicas, do teatro barroco e das peças históricas de Shakespeare é, sobretudo, a supremacia do diálogo, o que se pronuncia e da relação deste com o inter-humano. Szondi diz que o drama não é uma dialética fechada em si mesma, mas ao contrário, livre e pronta para se determinar continuamente a cada momento.  Entende que esta dialética livre é graças a traços essenciais que constituem a natureza do drama, e um de seus elementos é o de ser absoluto, não comporta nada exterior que não lhe seja natural. O drama não conhece nada fora si. O drama não anuncia o antes posto, não conta ou pronuncia sua situação. Nele as palavras são ações de decisão, não são escolhidas por vontade do autor ou acolhidas em seu beneficio. O drama não se constrói enquanto obra, mas enquanto fato. Ele também não estabelece relação ou  inter-relação com o público, este dever permanecer estático e observar o desenrolar das ações sem interferir no mesmo. A relação drama e espectador não é dada a interpelações ou intromissões o espectador observa seu desenrolar passivamente só podendo entrega-se totalmente ao jogo dramático contemplando-o visualmente.  Contempla passivamente este outro mundo e se entrega ao jogo dele.

        Segundo Szondi, o palco da Renascença, que tanto foi difamado, é a única forma de espaço cênico adequado à representação dramática. Como o drama não conhece ou não aceita a intromissão do público este não deve possuir qualquer conexão ou passagem em direção à plateia que não seja pela cena. Somente depois de iniciado a encenação e ditas algumas palavras esta ponte, esta ligação, deve se tornar visível. Somente no ato cênico ela deve ser criada, e  deve se encerrar como que recolhida ao seu interior assim que cai o pano ao final da cena ou do ato. A iluminação deve criar a sensação de que a cena emite luz própria, que o espetáculo dramático irradia luz própria. Como o drama não permite a interferência do autor no momento cênico. O ator deve servir inteiramente ao seu papel. A representação do ator deve ser fundida ao seu papel não deve ser percebida fora dele.  A figura do ator deve misturar-se completamente à figura dramática para que o homem/drama surja.   É da natureza do drama ser primário e não aceitar uma exposição secundária. Não expõem o que é primário de forma secundária.  Cada cena, sua sequência e inter-relação realizam-se no ato de seu surgimento.

         Assim sendo, o drama de modo algum aceita interferência que não seja primária, como citações ou variações, “a citação iria referi-lo ao que é citado… a variação questionaria sua qualidade primária, seu ser verdadeiro” (SZONDI). Sendo ele primário tampouco aceitará referências, pois referências são não dramáticas, o tornaria épico porque teria caráter narrativo. Tendo ele tal característica só poder ter o tempo no presente, o que de forma nenhuma o torna estático visto que este presente se dá no decurso dramático. O presente passa e outro presente se coloca em cena na medida em que traz mudanças e desencadeia outras situações. Não quer dizer que o drama não tenha passado, ele tem. Mas este passado não é mais parte constituinte da cena, ou seja, enquanto passado ele não faz parte da cena dramática. Szondi afirma que “cada momento deve conter o germe do futuro, ser prenhe de futuro. Isso se torna possível graças à estrutura dialética, fundada por sua vez na relação inter-humana, e com isso ganha nova luz a exigência dramatúrgica da unidade de tempo. A descontinuidade temporal das cenas vai contra o princípio da sequencia absoluta de presentes.” Cada cena se encerra no início da outra, criando então, uma relação de passado e futuro dentro de si. Assim se estabelece o principio de sequências absolutas do drama. A relação passado/presente/futuro da estrutura de tempo e espaço, dentro e fora da cena dramática. No movimento para a sequência seguinte é que se tem o conflito temporal no drama. Para Szondi, o drama se realiza no ato de seu surgimento, no presente.  Acaso tivesse aqui interferência de um elo externo, se estabeleceria a existência de uma forma épica, não dramática. Da mesma forma deve-se ter em mente uma dissociação do espectador quanto à noção de lugar, assim como a temporal deve ser eliminada dele, do espectador, esta consciência. Numa peça com muitas alternâncias de lugar torna-se mais difícil esta dissociação de lugar e tempo. Sendo este um dos pontos de que difere esta forma com a shakespeariana, pois nas peças históricas de Shakespeare há muitas alternâncias de tempo e lugar.

           Por fim, o caráter absoluto do drama não permite também o acaso.  A cena no drama é uma sequência de presentes que se movimentam por uma ação pura e motivada. O acaso é inteiramente contrário ao que é natural no drama.  O fortuito, no entanto, poderá ser parte integrante do drama. Sempre virá de fora, será sempre externo. Porém deve ser incorporado a este, deve enraizar-se no solo do drama não podendo ser a partir de então variante ao drama. Só assim o drama aceitará uma intromissão externa.

            Szondi encerra o capítulo, O drama, ao qual se refere este texto, dizendo que a totalidade constituída pelo drama é de origem dialética. Que ela não surge por força de intromissão do eu épico, mas pela suspensão da dialética do estar entre ou do inter-humano que torna a linguagem diálogo. No diálogo que se renova continuamente até ser destruído é que se concebe o drama. Linguagem ciclicamente tornada dramática.

      Referencias:

  • Teoria do Drama Moderno [1880 – 1950] de Peter Szondi – Tradução Raquel Imanishi Rodrigues. Editora Cosac Naify – 2º Edição 2011. 176 páginas
  • www.sergiodecarvalho.com.br/?p=1339;
  • Léxico do Drama Moderno e Contemporâneo – KUNTZ, Héléne e LESCOT, David– Org. SARRAZAC, Jean-Pierre – Tradução TELES, André. Ed. Cosac Naify. 1º edição – ano 2012.  220 páginas

        Imagem Fonte: http://www.oprazerdaliteratura.com.br/2015/02/esperando-godot-samuel-beckett.html

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