Iluminação e Espacialidade em Adolphe Appia – Parte 1

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Espaços Rítmicos. Adolphe Appia. Instituto de Hellerau.

Introdução

              A presente pesquisa tem o objetivo  tentar apresentar as ideias centrais de Appia no que se refere à iluminação e espacialidade cênicas, e vislumbrar a sua importância.  Para tanto, partiu-se de algumas questões: o marco de origem de seus estudos sobre o assunto e relações verificáveis possíveis; a ginástica rítmica e o impacto trazido para suas ideias; e a organização desses fatos no tempo, com seus sujeitos determinantes, que se imaginava serem Wagner e Dalcroze. Obtendo-se as respostas cabíveis, pretendeu-se, então, apresentar a importância e inovação da proposta de Appia, principalmente com relação à iluminação e a espacialidade.

              Nesse sentido, de modo introdutório, tem-se que o espaço teatral do final do século XIX era um espaço cheio de elementos ornamentais sem importância ativa para as representações teatrais. Tinha-se nos telões pintados e elementos cenográficos realísticos uma ideia de ornamentação do espaço cênico.  Appia durante toda a sua pesquisa fez uma contundente critica a este pictorialismo cênico.

          Trouxe para a cena outro modo de pensamento para a utilização da iluminação cênica e uma outra forma desta se relacionar com a cenografia, trazendo para o palco um modelo de arquitetura cênica mais vivo e ativo; blocos e planos em níveis diferentes para que o ator pudesse explorar toda a sua espacialidade. A iluminação trazida à cena não é mais um simples elemento iluminante. Agora, em Appia, ela interfere no espaço criando sombras, claridade, formando um ambiente de sugestões simbólicas, e juntamente com esta arquitetura cênica experimenta  construir outras referências para a espacialidade da cena teatral, completamente livre da pintura de telões e ornamentos decorativos.

         Os espaços rítmicos de Appia foram uma ruptura  com a espacialidade cênica vigente. O cenário e a iluminação tinham de estar na cena para a exploração do ator. Os blocos de tamanhos diferentes, as escadas; tudo fornecia aos atores espaços para serem ocupados, diferentemente dos cenários pictóricos, onde eles não passavam de uma figura presa em uma cena estática.

         Justifica-se esta pesquisa dada a  enorme influência que a Obra de Arte Viva teve sobre a sua geração e as futuras, bem como em razão das mudanças que provocou no ambiente teatral no decorrer das décadas seguintes. Orientados pelas questões tomadas como norteadoras, organizamos o trabalho ordenando no tempo os fatos que tiveram ligação direta para a elaboração teórica de Adolphe Appia. Assim, partimos de Richard Wagner, com quem Appia teve influência diretamente inspiradora. O drama wagneriano e suas contribuições para o teatro foram a base da elaboração teórica de Appia. Em seguida, situamos Jaques-Dalcroze que teve, também, grande influência em nossa pesquisa dado a parceria de longos anos estabelecida entre os dois teóricos. O trabalho de Dalcroze para o ensino da música e a criação da Ginástica Rítmica foram preponderantes para Appia formatar o que ele denominou de Espaços Rítmicos.

          Por fim, Appia é colocado em cena para que possamos abordar seus estudos sobre iluminação e espacialidade para a cena teatral. Fizemos uma investigação a partir do livro A Obra de Arte Viva, perquirindo os conceitos básicos, os elementos formadores da reestruturação da cena teatral: a arte viva, pretendida por ele. Essa obra foi a fonte base para toda a exposição abordada neste trabalho. Foi a partir do referido livro que levantamos os elementos da reformulação do espaço cenográfico proposto pelo autor, sobre a iluminação e espacialidade, que são apontadas aqui.

           As obras de Appia sobre a Arte Viva ao todo são três, e não estão todas traduzidas e editadas para o português. No entanto, o livro aqui tomado como referência fornece informações suficientes para exposição da pesquisa de forma clara e consciente sobre o projeto de Appia para a reforma do espaço cênico. Nesse momento, a abordagem foi mais focada na obra especificamente, visitando-a em seu interior na tentativa de saber como Appia queria o espaço e quais eram suas propostas para a cena a partir da iluminação e da cenografia, para a reformulação do espaço cênico. Para  a pesquisa, foram identificados Wagner e Dalcroze, respectivamente, como  ponto de partida para os estudos e propostas e  de implementação das mudanças pretendidas por Appia.

            A pesquisa foi levantada a partir de livros sobre teoria e história teatral, assim como textos acadêmicos: monografias, dissertações e teses, além de artigo publicados em revistas científicas. Cabe ressaltar a relevância dos estudos acadêmicos que explanam sobre a interface, relação e contribuição verificada entre Appia e os outros dois estudiosos. Foi imprescindível recorrer a trabalhos acadêmicos, principalmente com relação a Jaques-Dalcroze, diante da inexistência de literatura traduzida, embora muito se produza sobre o Dalcroze em sede de pós-graduação.

Richard Wagner

              A ideia de arte proposta por Richard Wagner (1813-1883), a Obra de Arte Total, é o elemento fundamental a partir da qual Adolphe Appia desenvolve seu trabalho.  Wagner contribuiu brilhantemente para as artes da cena de sua época, deixando traços importantes na história da evolução da técnica e estética teatral, como aponta Cavalcanti:

             Wagner concentrou seus esforços na construção do teatro de Bayreuth, criando um mundo operístico alternativo, que permitiria, pela primeira vez, a encenação plena de suas obras [...] Bayreuth era um verdadeiro teatro experimental: a arquitetura do edifício, a plateia em plano inclinado, a dissimulação da orquestra, que dava a impressão que a música nascia do silêncio, contribuía para criar uma atmosfera de recolhimento próxima a um ritual sagrado (CAVALCANTE. 2011, p 105).

             Wagner foi um compositor inquietante com seu oficio, buscou sempre aprofundar suas pesquisas sobre a arte de seu tempo.  Insatisfeito com a forma industrial da produção artística de então, contestou duramente a técnica, a plástica e o conteúdo social inerente às óperas do século XIX. Considerava a arte de seu tempo um produto de indústria cultural sem nenhum envolvimento com as relações da vida e as experiências do indivíduo. Sinalizava que a ópera estava banalizada, assim como o artista que se vendia facilmente aos desejos sociais.

          Para entender esta crítica de Wagner devemos lembrar que a ópera no século XIX era a principal diversão das pessoas da sociedade. Funcionava como uma espécie de divertimento, além de ser local para a ocorrência de encontros sociais e negociais. Para a sociedade da época, ter um mínimo de conhecimento operístico e frequentar tais eventos era   requisito importante para uma boa apresentação pessoal.

           Wagner era um visionário e tinha um projeto para recuperar essa arte banal, que seria parcialmente concretizado com a construção do teatro idealizado por ele e nominado de teatro Bayreuth.  Ele acreditava que a arte grega poderia revitalizar a cultura estéril de seu tempo, levando as pessoas a compreenderem seu papel, no que diz respeito à revitalização cultural moderna. Para ele, essa revitalização implicaria a busca/encontro do sentido e função da arte na sociedade, ajudando também a clarear os objetivos da atividade cultural humana. Com isso, ele esperava mudar este estado de esterilidade de arte monumental, que se mantinha presa a um ciclo repetitivo e imitativo das realizações artísticas do passado.

        O projeto artístico de Bayreuth testemunha a profunda insatisfação com as instituições modernas, a partir da qual nasce a luta “ contra o poder, a lei e toda a ordem estabelecida [...] Os participantes do festival não são, desse modo, meros espectadores da nova arte, mas através dela vivem a experiência de ruptura em relação à época moderna. Bayreuth é descrito como um teatro fundamentalmente distinto do teatro moderno, capaz de despertar o que Nietzsche chama de “sensação autêntica” (NIETZSCHE apud CAVALCANTI, 2011, p 110).

              Wagner buscou reformular da arte de seu tempo a partir da arte grega, porém, com um pensamento nacionalista. “Não uma cópia ou uma releitura, mas uma criação inspirada, uma junção de todas as artes em uma só que a transformasse na arte nacional Alemã” (MACEDO apud PEREIRA. 2008, p104).

Ainda, podemos acrescentar que:

            O nacionalismo de Wagner enquadra-se no padrão encontrado entre compositores russos e tchecos, pelo qual a ideia servia como um meio de ajudar uma cultura musical nacional a competir em melhores termos com poderosos idiomas cosmopolitas. O nacionalismo wagneriano estava estritamente ligado também da crítica do compositor a cultura musical (MILLINGTON apud PEREIRA  2008, p 68).

          A Gesamtkunstwerk ou A Obra de Arte Total, como é normalmente traduzida, foi resultado de uma busca contínua por formular um novo conceito para arte operística que pudesse dar nova forma à estética de sua época, que ele considerava, de certa forma, ultrapassada.

          A Obra de Arte Total é um ideal wagneriano de união das artes. Ele teoricamente afirmava que sua ópera era a grande junção de música, teatro, dança, iluminação e cenografia em prol de uma só arte: o drama   musical.  “Para esta junção era necessário que cada uma destas artes se colocasse a mercê de uma ideia integradora, que transpasse a própria individualidade de cada uma destas artes” (PEREIRA apud PEREIRA, 2008, p 69).

      PEREIRA apresenta em sua pesquisa que no estudo de Wagner   podemos compreender que o músico considerava necessário rejeitar a melodia operística típica, que atrai a atenção por si mesma independentemente do texto, substituindo-a por uma outra que nasça do discurso e seja a expressão natural das ideias e dos sentimentos contidos no drama (2008).

             PEREIRA, cita que Bruno Kiefer  afirmara que, ao contrário da ópera convencional, o modelo proposto por Wagner dava tanto importância a arte dramática quanto à música. Na divisão de recitativo, ária e dueto, elementos da ópera-bel-canto, o cantor tem uma primazia absoluta e o desempenho da orquestra se caracteriza na função de sustentáculo para dar ritmo e criar clima para a ópera tradicional, caracterizando, assim, que as óperas wagnerianas não são óperas, mas sim dramas musicais (2008, p 71).

          Outra inovação no drama wagneriano foi o Leitmotiv, ou motivo condutor, criava uma teia melódica que dava ordem e desenvolvimentos para os diálogos das óperas de Wagner. Este recurso utilizado pelo músico foi uma tentativa de dar união e clareza no desenrolar das ações da ópera, criando elos de relação e continuidade.

           Um leitmotiv é um tema ou motivo musical associado a uma determinada pessoa, objeto ou ideia do drama. A associação é criada mediante a exposição do leitmotiv momento da primeira aparição ou referência ao objetivo ou tema em apreço e mediante a sua repetição a cada ulterior aparição ou referência (GROUT; PALISCA apud PEREIRA, 2008, p 72).

       Wagner foi um compositor/autor, ou seja, ele produzia seus próprios libretos. Participava ativamente de todo o processo de produção de suas obras. Foi um compositor/autor total, parafraseando a sua concepção de obra de arte. Ele rompe com a ópera lírica e poética e passa a trabalhar com o modelo romântico de composição. Inspirado pelo grande interesse que tinha de escrever sobre as lendas e mitos medievais germânicos, cria, arduamente, seus dramas. Cavalcanti explica este interesse da seguinte forma:

            Wagner entra em contato com a filosofia de Schopenhauer passando a compreender de forma mais profunda o universo do mito e sua própria criação artística, especialmente a relação entre o drama e a música, o que o leva à reformulação de sua concepção da obra de arte total. Inspirado na filosofia de Schopenhauer, ele coloca a música no centro de sua reflexão sobre a arte, considerando-a o mais claro e completo comentário de um acontecimento, excedendo em clareza a própria poesia, dado que a música é um modo imediato de expressão (WAGNER apud CAVALCANTE, 2001, p 104).

O TEATRO BAYREUTH

            A maior realização arquitetural e cênica de Wagner, dentro da sua concepção de Arte Total, foi a realização do seu Festspielhaus de Bayreuth  e a construção do seu Teatro Bayreuth, inaugurado no ano de 1876. Foi resultado de anos de tentativas frustradas por falta de recursos, só se concretizando com o mecenato do Rei Ludwig II da Baviera.  As propostas arquiteturais de Wagner para este projeto fazem parte dos estudos da Gesamtkunstwerk (Obra de Arte Total).

          O Teatro Bayreuth pensado por Wagner favorece o anfiteatro em detrimento do modelo cênico italiano; dispõe a plateia frontalmente em relação ao palco em degraus subsequentes, de forma a deixar o público confortável visualmente; ultrapassa um pouco a linha da boca de cena possibilitando maior quantidade de poltronas; abandona os camarotes laterais e frontais e estabelece divisão total entre plateia e palco, como sinaliza Norton Dudeque:

             Para Wagner era importante assegurar a separação total entre o mundo do ideal cênico do mundo real representado pelo espectador, era necessário que não houvesse qualquer obstáculo entre o espectador e o drama, que o universo dramático aparecesse claramente e que o público pudesse concentrar toda sua atenção somente no espetáculo. Para alcançar este objetivo Wagner renuncia ao espaço cênico italiano e favorece a construção de um grande anfiteatro, originalmente com 1460 lugares e um palco com 32 metros de largura e 23 metros de profundidade, para onde a atenção visual do espectador é voltada diretamente sem sofrer com perturbações vindas das laterais do teatro, sendo que as galerias e camarotes são rejeitados. Ainda a iluminação foi retirada da plateia, deixando-a no escuro, fazendo com que o espectador perca, pelo menos parcialmente, o contato com a realidade cotidiana e tenha sua atenção concentrada no palco (NEW GROVE, apud DUDEQUE, 2009, p5-6).

          O projeto deste teatro tinha sido idealizado sem os rebuscamentos decorativos normalmente usados nos teatros europeus. Principalmente nos teatros de ópera esses elementos ornamentais perturbadores eram abundantes. O compositor deu preferência à retirada destes detalhes decorativos dando maior valorização às suas concepções para a arquitetura cênica. Wagner introduziu elementos diversos e pouco usuais para a época, que viraram marcas do teatro wagneriano. Uma dela foi o Abismo Místico como podemos ver a seguir:

             A orquestra é retirada do palco, e se cria o vão para a orquestra entre ele e a plateia, abaixo e à frente do proscênio. A distância entre o palco e a plateia é aumentada. E com tudo isso o caráter ilusionista do espetáculo é acentuado. A proposta é que se estabeleça urna relação mágica entre público e cena, que foi chamada de Golfo Místico ou Abismo Místico. Uma vez com a atenção direcionada só para o palco, o público é envolvido com o que está acontecendo: a ação e a atuação dos atores, a música, os cenários (MANTOVANI, 1989, p 21).

          Outra modificação trazida foi o desligamento da iluminação da plateia durante a apresentação do espetáculo. Na época, não se desligava a iluminação da plateia. Nas óperas, assim como nos espetáculos teatrais, a iluminação sobre o público permanecia durante todo o tempo da apresentação, pois, como exposto anteriormente, as apresentações eram acontecimentos sociais e negociais. Com a inovação, Wagner fez com que o público se concentrasse na cena desenvolvida no palco.

        No entanto, não foi somente em relação a procedimentos, como a iluminação arquitetural do teatro, que se definiram as modificações trazidas por Wagner. O Compositor trouxe também inovações com relação a iluminação cênica, como a introdução do sentido de Leitmotiv utilizado na composição musical de Wagner, aplicado também na iluminação, como podemos verificar:

              Não se contentando com uma iluminação que reproduzisse os fenômenos naturais, ele introduz um certo estilo de iluminação simbólica onde uma determinada atmosfera do drama é simbolizada por uma iluminação específica. Além disso, Wagner se utiliza da ideia do leitmotiv musical, onde uma determinada ideia musical acompanha um personagem durante a ópera inteira. Assim, transpondo esta ideia para a iluminação, determinados personagens são identificados com um certo tipo de iluminação (DUDEQUE, 2009, p 06).

        Todas estas inovações trazidas por Wagner modificaram consideravelmente as relações entre o espetáculo e o público, transformando enormemente o contato dos espectadores com a cena teatral. Um exemplo claro, já apresentado, é a criação do Leitmotiv, assim como efeitos ilusionistas e dramáticos propostos no drama operístico.

          No entanto, como sinaliza Norton Dudeque, apesar das inovações apresentadas, podemos dizer que Richard Wagner continuou preso à realidade técnica da representação de seu tempo com modelos ultrapassados de que fazia uso, como os decorativos painéis realisticamente pintados.  Suas produções iniciais são pesadamente decorativas e rebuscadas, com elementos fortemente ilustrativos como eram comumente empregados nas cenografias realistas do continente europeu do final de XIX (2009).

           O convencionalismo do espaço cênico de Wagner torna-se insuficiente para dar conta de sua teoria musical. A grandiosidade das inovações de Wagner permaneceu presa a uma cena inerte, estanque. A extrema realidade pictórica das produções cenográficas corroborava com uma tradição espetacular da encenação sem dar ao espaço cênico um efeito maior que contribuísse para a dramatização.

              Como expõe Mota, as críticas tecidas por Appia a respeito da limitação da evolução cenográfica verificada na obra de Wagner tem-se que:

          Para as obras performativas não basta mudar os temas, as imagens ou a estruturação. Não basta mudar o texto sem alterar o aparato cênico. A obra nova de Wagner necessita de um novo espaço.  O alargamento das dimensões imaginativas proporcionados pela dramaturgia musical de Wagner reivindica uma correlata extensão representacional. Foi o que Appia viu.  A emergência do encenador está diretamente relacionada com a mudança de nossas concepções de  obra de  arte,  sempre  associadas com a literatura, com a escrita. O efetivo modo de ser da encenação ilumina o  além-texto, a presença irrefutável de um contexto de produção de sentido. A faticidade do  que não é só linguagem e estados mentais torna-se determinante.  A dramaturgia  defronta-se  com esse intervalo  entre obra e  realização. A  materialidade e suas irremediáveis  contingências  saltam aos olhos não  só  como dificuldades e  apêndices à  ideia   artística (MOTA, 2012, p 46).

                Desse modo, Appia, motivado por esta descontinuidade identificada entre texto e espaço cenográfico no drama wagneriano, tenta reorganizar as especificidades estética e de representação cênica, questionando as relações entre o drama musical de Wagner, vivo e vibrante, e sua conexão com o espaço cênico bidimensional e estanque, como apresenta Mota:

            Com a crise do espaço de representação baseado no chamado palco italiano, que preconizaria uma relação frontal, unidirecional, estática e apassivadora entre palco e plateia em um lugar fechado, todo o processo de se conceber e fazer espetáculos entra em crise [...] O espaço de representação necessita ser reestruturado, levando em conta a constituição do espetáculo e sua realização. A pluralidade de formas de representação é correlativa à diversidade de espaços de exibição (MOTA, 2012, P 47).

             Appia questionou a relação da pintura com o espaço cênico e o exercício do ator. Para ele, a pintura como era utilizada não dialogava com o espaço, a luz e a movimentação do ator no ambiente cênico.

 Acerca do modelo cenográfico utilizado por Wagner; Appia aponta que:

          O corpo não é apenas móvel: é plástico também. Essa plasticidade coloca-o em relação direta com a arquitetura e aproxima-o da forma escultural, sem poder, no entanto, identificar-se com ela, porque é móvel. Por outro lado, o modo de existência da pintura não pode convir-lhe. A um objeto plástico devem corresponder sombras e luzes positivas, efetivas. Diante de um raio de luz, de uma sombra, pintados, o corpo plástico conserva-se na sua própria atmosfera, nas suas próprias luz e sombra. É o mesmo que se passa com as formas indicadas pela pintura; essas formas não são plásticas, não possuem três dimensões; o corpo tem três; a sua aproximação não é possível. As formas e a luz pintadas não têm, pois, lugar na cena; o corpo humano recusa-as. Que restará então, da pintura, uma vez que, apesar de tudo, parece que ela pretende a sua parte na arte integral? A cor, provavelmente. Mas a cor não é apanágio exclusivo da pintura; poderia mesmo afirmar-se que, na pintura, a própria cor é fictícia, na medida em que lhe compete imobilizar um instante de luz, sem poder seguir o seu raio nem a sua sombra no seu curso (APPIA, 1921, p 33).

             Os questionamentos que Appia fez sobre a obra de Wagner são da ordem da relação que ela estabelece com a cenografia e o espaço da representação cênica. Esses questionamentos são os tópicos que Appia irá contrapor duramente em todos os seus estudos teóricos sobre o drama wagneriano.

          Podemos afirmar que para Adolphe Appia somente quando suas ideias fossem postas em prática a grandiosidade de fato da encenação do Drama Wagneriano se confirmaria. No entanto, essas ideias só iriam tomar corpo real alguns anos após sua morte pelas mãos do neto de Wagner, Wieland Wagner , admirador declarado das ideias de Appia.

          Esperou-se por meio século para que estas novas ideias fossem implantadas por Vilar, na França, e Wieland Wagner, quando livrou o palco do teatro de Bayreuth dos velhos cenários e incorporasse os novos conceitos de luz e espaço que os reformadores simbolistas do palco haviam planejados [...] A contribuição de Wieland, a partir da obra de Appia, foi fazer da encenação lírica uma totalidade significativa, um sistema coerente. Articulava a representação do cantor, da arquitetura cênica, a própria essência dos elementos constituintes, dos gestos, dos figurinos, da iluminação. O conjunto cênico tirava sua força de uma interpretação holística da obra (URSSI, 2006, p44).

            Cosima Wagner (1837-1930) , após a morte de Wagner em 1883, passou a dirigir o teatro Bayreuth até 1930. Durante o período que dirigiu o Teatro manteve a ópera de Wagner intocada, nas questões de práticas estéticas renovadoras.  As representações das óperas eram uma espécie de rito religioso, as encenações eram produzidas nos mesmos moldes e padrões estéticos que foram deixados por Wagner. Essa arte estática produzida por Cosina era, com certeza, radicalmente contra as práticas e as teorias de Wagner em vida.

           Esta postura de Cosima Wagner criou um impedimento a mais para que as teorias de Appia, sobre a encenação do drama wagneriano, não se realizassem em vida, privando-o de ver seus estudos serem colocados em prática. Somente depois da morte de Cosima em 1930, e quando assumiu a administração do teatro Bayreuth, que Wieland Wagner pode colocar em prática grande parte das ideias de Appia para as encenações das obras de Richard Wagner.

Referênicas:

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