O presente texto trata da tentativa de fazer uma breve análise sobre o livro Édipo e Variações de Karl karenyl e James Hillman, no entanto, abordarei somente a segunda parte, que foi escrita por James Hillman e que discorre sobre a Psicanálise e o Mito. Mais precisamente sobre o texto Édipo Revisitado, nos seus cinco primeiros tópicos.
No Texto, James Hillman mostrar, inicialmente, os elementos que Freud aponta para elaborar os conceitos de seu complexo de Édipo, que segundo Hillman (1964, p. 63) foi “a peça que Aristóteles usou para explicar a natureza da tragédia, e que Freud usou para explicar a natureza da alma humana.” A Mitologia Grega foi um enorme celeiro para a elaboração de conceitos, complexos, e mitos para a Psicanálise. Deste universo grego Freud formula um de seus, primeiros, complexos a partir de uma obra Helênica, texto de grande importância na cultura Grega, Édipo Rei, (Oedipus Tyrannos).
O complexo de Édipo que é apresentado por Freud, se baseia num desejo sexual da criança em relação aos seus pais. Este desejo sexual incestuoso do filho com a mãe, ou uma aversão ao sexo oposto e o desejo pelo mesmo sexo, no caso de ser o complexo manifesto no sexo feminino, (O complexo do sexo feminino foi apresentado por C.G. Jung como Complexo de Electra, porém Freud recusou-o, estabelecendo o Complexo de Édipo para os dois gêneros). Outro elemento presente no Complexo de Édipo é o desejo de morte. O filho em disputa com o pai deseja praticar o parricídio, como na tragédia de Sófocles. Segundo Freud isto se dá porque o inconsciente é um deposito de material pessoal e reprimido, onde a sexualidade ocupa uma grande parcela, e que este desejo já está inserido na criança antes mesmo dela nascer. Ele considerava que a libido sexual era o motopropulsor do ser humano, e que era ela responsável por grande parte, ou de quase todas as implicações doentias do inconsciente.
James Hillman revisita Édipo para apontar que o complexo de Édipo, proposto pela Psicanálise Freudiana, apresenta alguns pontos frágeis, criando paralelos de discordâncias e fazendo apontamentos no intuito de traze-lo mais próximo da elaboração da Psicologia Analítica proposta por Jung, e assim, tenta ampliar a leitura do mito grego que Freud expôs, sem desmerecer o grande êxito de Freud como gênio que foi na pesquisa e investigação do inconsciente, e a influência que este teve sobre as pesquisas de Jung e de tantos outros importantes pesquisadores.
Hillman aponta que a indicação de Freud sobre o desejo sexual do filho pela mãe tem uma abordagem equivocada ao se esquecer, ou omitir, que o personagem da tragédia mata o pai antes mesmo de conhecer a mãe, só depois é que realiza o ato sexual incestuoso. A grande imprecisão de Freud, segundo o autor, consiste em uma interpretação rápida e pontual, além da literalidade da leitura do destino trágico apresentado pelo oráculo a Laio. Uma critica direta Hillman faz ao dizer que, “Freud tem sido criticado por reduzir a nobre noção grega de destino heróico às intimidades banais da família” (Hillman, 1964, p.69). Ele apresenta o assassinato do pai como resultante do desejo incestuoso pela mãe que, segundo Hillman (1964, p. 69), “é uma base para suas reduções materialistas”. Esta redução como sinaliza Gilbert Durand transforma todas as leituras simbólicas possíveis do mito, em um simples signo, transportando o simbolizado a simbolizante como sinaliza Durand:
A transcendência do simbolizado é sempre negada em favor de uma redução ao simbolizante explicitado. Finalmente a Psicanálise ou o estruturalismo reduz o símbolo a signo ou no melhor dos casos às Alegorias [...] um esforço de elucidação intelectualista anima tanto Levy-Strauss como Freud. Todo seu esforço se resume por reduzir o símbolo a signo. (DURAND, Gilbert. Pag.52)

De Chirico
James Hillman aponta que Freud reduz toda a problemática do inconsciente numa interpretação por associações, frágil, imediata, como no caso do jovem Hans, às questões familiares. Associando-as com repressões pessoais de cunho sexual, criando patologias. Para o autor, a Psicanálise no tocante a interpretação do mito grego perde em possibilidade, fechando-se em um único elemento, o sexual. Não consegue abrir-se a percepções para além. Hillman, ao que parece, concorda com o exposto por C.G. Jung, quando diz que um dos problemas do Complexo de Édipo e da Psicanálise está no direcionamento, ou na leitura única que Freud faz da libido. E isto é claro no Complexo de Édipo. A libido para Jung é mais que um desejo sexual, é uma força motora de poder que pode gerar varias motivações, inclusive a sexual, mas não somente ela. Centralizar a história de Sófocles numa instância de repressão sexual levaria a peça ao Esquecimento, mas no entanto Édipo segue sendo lida e encenada porque ela contém muitos elementos que perpassam esta redução do símbolo mítico apresentada pela Psicanálise Freudiana.
Outro ponto que Hillman questiona em Freud são as questões da problemática da Pólis, que para ele em Édipo pouco importam. A cidade está condenada, as mulheres estão abortando, os rebanhos estão morrendo, brigas sanguinolentas e morte, Tebas está condenada pela Esfinge. Édipo fugindo da profecia de que ele iria matar seu pai foge de Corinto, encontra-se com Laio e o mata. Não sabia que Laio era seu verdadeiro pai. Laio o havia abandonado em Cíteron para que fosse morto, pois o oráculo tinha profetizado que seu filho o mataria. Édipo foge para cumprir seu destino sem o saber.
Chega a Tebas e desvenda o enigma que salva a cidade da Esfinge. Édipo é o herói que surge para salvar a cidade e seus habitantes. Desposa Jocasta. Cumprindo seu dever, salva Tebas do monstro, agora ele não é um e sim todos, ele está em todos e todos estão nele, fazem parte dele. Pois:
O privado e público não podem ser apenas, ou apenas seres: eles afetam a terra, a colheita, o gado, as instituições do estado. Também uma cidade pode ser patologizada por fatores míticos – exatamente como disse Jung em Wotan, em 1936. [...] O governo volta-se em direção à consciência apolínea, os meios apolíneos de diagnósticos e correção e o governo fala em nome de Deus. (HILLMAN, James, P. 77)
Apesar da fuga cumpre-se a profecia. Édipo matou seu pai e desposou sua mãe. Porém ignora o que fez. A Esfinge agora está em Édipo, ele é Édipo. Outra peste surge e está matando os moradores da cidade. O herói precisa salvar a cidade, precisa condenar o assassino de Laio. Procura novamente o Oráculo, Tirésias o velho cego que conhece a profecia saberá o que fazer. Mais uma vez deve-se lutar para evitar o mal, para evitar a profecia, mas o mal está em Édipo. O herói não pode mudar sua sorte. Neste sentido, o destino do herói está sempre marcado pela fatalidade, para se tornar um exemplo a ser seguido.
O que podemos perceber nos apontamentos de James Hillman é que Freud não vê na tragédia de Sófocles que o destino é sempre revelado, sempre retornado, Édipo pode abandoná-lo ou segui-lo, porém as suas escolhas sempre terão, como na tradição mítica, consequências. Assim, podemos perceber que o que ele sinaliza é que na figura do Édipo herói está a consciência humana, ou a imagem arquetípica dela, está sempre presente. Voltando a Jung, sobre o ele disse sobre a libido ser uma força motivadora, maior que uma simples vontade sexual, podemos dizer que em Édipo o símbolo da libido tem um poder espiritual que identifica o herói.
A tragédia tem uma função de estabelecer uma distância entre homens e Deuses. De criar e difundir Mito. O herói que percorre por todos os contos mitológicos, tem como função dialogar com seus opostos, com sucessos e fracassos, comportamentos e virtudes. Um modelo a ser seguido. Para entender a riqueza do universo de Édipo, deve-se mergulhar no imaginário simbólico das tragédias, na riqueza do mito. É deste universo que James Hillman tenta abordar em Édipo Revisitado. Segundo o autor, Jung também não consegue achar uma outra via para o Édipo de Freud e assim abandona Freud e Édipo:
Jung introduziu muitos novos métodos: amplificação na lugar de associação, compreensão sintética e progressiva, relatividade tipológica, a poltrona em vez do divã, [...] entretanto, o mito de Édipo permanece no meta-hodos da análise Junguiana: tornar-se consciente através do insight, uma viagem de autoconhecimento, um dialogo com figuras tiresianas, mas sábias. (HILLMAN, James, P. 102.)
De forma romanesca, poética, talvez Édipo tenha mais virtudes e dores que podemos perceber. Antes mesmo de cometer parricídio e desposar sua mãe, foi condenado à morte. Para que não se cumpra a profecia foi abandonado para morrer em Cíteron. Foi imortalizado por Deus com um destino heróico. Cumpriu seu dever. Com sua mãe teve quatro filhos. Quando descobriu toda sua tragédia aceitou seu destino. Se retirou, deixou de ser herói e se tornou homem.
O mito de Édipo é de grande importância para Psicologia, para entender/ler a condição humana, interpretar os signos da vida. No entanto, Freud, diante de tanta ambiguidade presente na tragédia de Sófocles, formula seu complexo como num insight. Novamente cito o jovem Hans. “Num insight Freud vê Édipo em Hans porque todo o método de Freud é Édipo” (Hillman, 1964, p.105).
REFERENCIAS:
- KERENYL, K.; HILLMAN, J. Édipo e Variações. São Paulo. Vozes. 1960. Coleção Psicologia Analítica.
- JUNG, C. G. O Homem e Seus Símbolos. Editora Nova Fronteira.
- Sófocles. Édipo Rei. EbooksBrasil.com. Fonte digital. Digitalização de livro em Papel. Clássico Jackson Vol. XXII. São Paulo. 2005.
- DURAND, G. Simbologia do Imaginário. Lisboa. Edição 70. 1964.
- SOUTO, Ana Helena Stein Carneiro. Dimensões Filosóficas e Psicológicas nas Obras de Édipo Rei e Édipo em Colono. VI Jornada de Estudos Antigos e Medievais – Trabalhos Completos – ISBN: 978-85-997/ 26-09-9.
- Ávila Lazslo, A. Psicanálise e Mitologia Grega. Pulsional Revista de Psicanálise, Anos XIV/XV, nº 152/153, p. 7-18. São Paulo. 2001.
- Botelho Byington C. A. Freud e Jung, sua Limitação com o Sagrado e o seu Complexo de Édipo. Palestra proferida no Simpósio 50 anos da morte de C.G.Jung, evento organizado pela SBPA-SP, realizado no Hotel Intercontinental, São Paulo. 2011.