A LUZ: DO RENASCENTISMO À TELEVISÃO – PARTE 1

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Annunciazione – Leornado Da Vinci

Luz é um fenômeno que sempre intrigou o homem. Na Grécia antiga já se indagava a respeito de sua natureza, chegando a duas conclusões, por vezes conflitantes, que alternavam a preferência dos estudiosos. A escola Pitagórica, principalmente com Platão, acreditava que todo objeto visível emitia uma corrente constante de partículas luminosas, que eram captadas por nossos olhos. A oposição disso veio com Aristóteles, que acreditava sair de nossos olhos uma onda vibratória que atingia os objetos e tornava-os visíveis. Havia então duas teorias: partículas e ondas. As partículas propagavam- se como gotas saindo de uma mangueira, e as ondas, como uma pedra atirada na água. Tratava-se apenas de especulações sobre a natureza e, embora a discussão sobre a teoria de partículas e ondas tenha perdurado até o início do séc. XX, hoje sabe-se que tanto Platão quanto Aristóteles estavam certos, ainda que parcialmente. Certo é que a luz é uma matéria quase única na natureza. Uma radiação eletromagnética tal como os raios cósmicos e as ondas de rádio e que abarca diferentes frequências e comprimentos de onda. Todavia, apenas uma pequena parte de todo o espectro é captado pela visão humana. Essa parte compreende os comprimentos de onda existentes entre os 400 e 700 nanômetros. Vale lembrar que é também essa pequena parte que pode ser registrada por películas fotográficas e cinematográficas.

 

NA LUZ A NATUREZA DA IMAGEM

 A imagem é produto de um estímulo luminoso aos nossos órgãos visuais, os olhos. Aquilo que “vemos” é, na realidade, uma imagem formada no cérebro a partir desse estímulo visual, sendo o órgão cerebral, portanto, responsável pela interpretação do estímulo que nos chega. Assim, não podemos deixar de mencionar que, ao se tratar a instância imagem, quer seja ela representação estética, quer seja qualquer objeto tridimensional, partindo do objeto em si, é tratar de uma maneira invariavelmente parcial e incompleta, mesmo que se determine com exatidão o limite da observação. Isso porque não conhecemos os objetos em sua totalidade, e sim segundo o “filtro” visual que é nosso próprio olho, que consegue detectar apenas uma ínfima gama de vibrações do espectro eletromagnético. Arnhein (1989, p. 293) nos fala que no estudo da percepção visual a luz deve ser a primeira das causas a ser estudada, “porque sem luz os olhos não podem observar nem forma, nem cor, nem espaço ou movimento”. Também Dondis, ao tratar a sintaxe da linguagem visual, afirma que basicamente o ato de ver envolve uma resposta à luz. Em outras palavras: o elemento mais importante nesse estado da experiência visual é de natureza tonal. Todos os outros elementos visuais nos são revelados por meio da luz, mas são secundários em relação ao elemento tonal, que é de fato a luz ou a ausência dela. A luz (Dondis, 1991, p. 30).

A LUZ NOS MOVIMENTOS ARTÍSTICOS

Na Grécia do século VI a.C. nasceu e teve grande difusão a pintura sobre cerâmica. O contorno era traçado sobre o fundo avermelhado-escuro do vaso e, em seguida, preenchido de cor negra. Mais tarde, apurou-se a técnica com o traçado sobre a figura negra, com linhas que desenhavam suas formas internas. No século V a.C., os artistas gregos passaram a desenhar figuras coloridas, para deleite de seus conterrâneos. Todavia essas figuras careciam de volume e de perspectiva, pois os artistas  artesãos de então não se interessaram ou não “visualizaram” os efeitos da luz em seu dia-a-dia. Em fins do mesmo século, o artista Apolidoro, de Atenas, foi o primeiro a pintar corpos arredondados em lugar de planos, obtendo tal efeito com uma graduação de luzes e sombras. A planura da base, até então respeitada, começa a ser infringida. Bastará admitir que, em um volume, a parte mais próxima dos olhos será a mais clara e que aquelas que se afastam no espaço vão mergulhando em uma sombra crescente. Esta passa, de certo modo, a ser sinônimo de profundidade. O artista percebe que, a partir desse momento, a pintura poderá imitar os efeitos da escultura e que a utilização do claro-escuro, como meio de mostrar a natureza de forma realista, abre para as artes figurativas uma fonte inesgotável de extraordinárias possibilidades. Sobre as figuras e objetos, começaram a surgir os reflexos de luz, a sombra indicando o arredondado da forma. A imagem começou a diferenciar-se muito pouco da viva realidade e rapidamente técnicas foram sendo desenvolvidas no sentido de aprimorar a imagem. É na arte grega que vamos encontrar, por exemplo, o princípio básico da composição da imagem, até hoje utilizado na fotografia, no cinema e no vídeo, o chamado “ponto de ouro”, que é a técnica de dividir uma cena em oito linhas equidistantes tanto na horizontal quanto na vertical (Osborne, 1979, p. 82). Os artistas gregos alegavam que o centro de interesse em uma cena deveria ser colocado no ponto de interseção das linhas horizontais e verticais a 5/8 (cinco oitavos) de qualquer das margens. Com isso a cena se tornaria mais equilibrada, descartando a monotonia visual ao mesmo tempo que proporcionaria um equilíbrio visual. Os gregos focaram como principal centro de interesse o primeiro quadrante na leitura ocidental: a primeira intersecção das linhas de cima para baixo, da esquerda para a direita, porém abriram as possibilidades para o 2º, 3º e 4º quadrantes, sendo que o primeiro ponto a ser visualizado por um observador sempre é a 1ª intersecção. Isso somado a novos estudos de luz e sombra deram vivacidade e dinâmica às pinturas e desenhos. Todavia a arte do claro-escuro foi esquecida em certas épocas e alguns povos a ignoraram por completo (Duran, 1993, p.2). O entendimento de que a luz é um importante meio de representação e expressão da realidade foi sendo explorado aos poucos. Até o século XVII, a retratação da realidade e a representação de cenas bíblicas adotavam, quase sempre, uma luz uniforme. Contrastes e diferenças de tonalidade davam-se a partir da aparência natural das cores, e não a partir de sobreposições explícitas de luz. Em muitos quadros de Giotto (1266-1337), as sombras nas dobras das roupas, por exemplo, seguem uma causa lógica, porém, em uma relação de simples repetição (Camargo, 2000, p. 43). A luz aparecia nas representações pictóricas unicamente como simbolismo religioso. É durante a Renascença que se fizeram importantes progressos na prática e nas técnicas das artes visuais, visando atingir um maior naturalismo, muito embora a luz ainda seja utilizada essencialmente como um meio de modelar volume. O mundo é claro, os objetos são por si só luminosos. Inicia-se nesse período a estreita conexão entre a ciência empírica e os estudos das artes. Para Hauser (1995, p. 237), Leon Batista Albert foi o primeiro a expressar a idéia da relação entre arte e ciência, “uma vez que as teorias das proporções e das perspectivas são disciplinas matemáticas”. Para o autor, Albert, o grande pai do Tratado De Pittura, analisa os   fundamentos teóricos da grande revolução artística que foi a descoberta da perspectiva, ou seja, uma nova forma de ver o mundo, uma experiência vinculada ao sistema de medidas e proporções geométricas, nas quais se instauram as leis da observação e da imitação. Essas concepções clássicas de representação reforçam os tratados como os de Piero della Francesca (1415-1492) e de Leonardo da Vinci (1452-1519), este último um dos criadores da câmara obscura. É o surgimento da perspectiva científica buscando, no horizonte, os labirintos da representação. O ato de captar imagens, que define as características formais da representação – passando pela imitação, pelo irreal, em um mundo ilusionista de linhas e cores –, é a reflexão, previamente anunciada na filosofia platônica, sobre as ‘sombras’ que, no deslocamento entre escuridão e luz, penetram nas entranhas da caverna. A Santa Ceia, de Da Vinci, é um ótimo exemplo da utilização dos princípios da matemática e geometria na composição das obras, com a apresentação do espaço e volume. Encontramos aqui um maior domínio da perspectiva e que conduziu a outro recurso, o claro-escuro, que consiste em pintar algumas áreas iluminadas e outras na sombra. O jogo de contrastes reforça a sugestão de volume dos corpos. Da Vinci dominou com sabedoria o jogo de luz e sombra, gerando uma atmosfera que parte da realidade sem deixar de estimular a imaginação do observador. Um exemplo disso é o quadro A Virgem dos Rochedos. Um conjunto de rochas escuras faz fundo para o grupo formado por Maria, São João Batista, Jesus e um anjo. Essas figuras estão dispostas de maneira a formar uma pirâmide, da qual Maria ocupa o vértice. Nossa atenção é desviada para a base do triângulo, para o Menino Jesus, o que o torna a figura principal da composição. Leonardo conseguiu isso pela imersão do corpo do menino na luz, pela atitude de adoração de São João, pela mão de Maria estendida sobre a cabeça do menino e pela atitude protetora do anjo, que o apóia. Por sua vez, a profundidade do quadro é dada pela luz que brilha muito além da escuridão da superfície das pedras. Todavia, um dos primeiros artistas a estabelecer um ponto definido para incidência da luz foi Jan Van Eyck (1390-1441). A presença de uma janela à esquerda, no seu “Casal Amolfini”, traz a luz para dentro de um quarto e produz sombras realisticamente motivadas. Percebe- se aí uma interferência visível sobre a claridade das superfícies mostradas e já há uma preocupação com o condicionamento, de certa forma antecipando a plástica do barroco, onde a luz é decididamente um elemento interferente na configuração do espaço (Camargo, 2000, p.43). Vale ressaltar que Van Eyck foi um dos primeiros pintores de seu tempo a utilizar a tinta a óleo, aperfeiçoando a técnica de seu uso, o que lhe abriu novas possibilidades, em especial as sutis gradações de tom e cor que dão a ilusão de luz do sol

Autor: Fernando Pereira
Professor do IMES, Jornalista, Fotógrafo profissional.
Mestre em Comunicação e Cultura Midiática pela UNIP.

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